segunda-feira, 24 de agosto de 2009

"Quero meu corpo bem livre do peso inútil da alma"


Finalmente hoje choveu. Talvez tenha sido por isso que deitei no sofá e consegui assistir boa parte do Fantástico. A todo instante o anúncio sobre um “famoso” cantor da MPB que está desaparecido desde 2007. O suspense era tanto que mesmo com meu olhar domesticado, não foi possível segurar a curiosidade típica desses programas que fazem do entretenimento um péssimo filme do gênero.


A matéria começa, descobrimos que o compositor desaparecido era aquele da música “Apenas um rapaz latino americano”. Como assim Belchior sumiu?


Fiquei tensa, apertei minhas mãos. Mas acreditei que o mistério talvez pudesse ser solucionado na reportagem. Engano, as entrevistas foram vagas. Não me contentei, e decidi procurar mais sobre o assunto. Um site de Pernambuco foi mais convincente e completo. "Belchior encerrou a carreira. Está bem de saúde, de finanças, mas decidiu não gravar mais ou fazer shows. Há mais de um ano que nem nós, da família, temos contato com ele. Só uma irmã, Ângela, que de vez em quando recebe telefonemas. Ninguém sabe nem onde mora, só que parou com tudo". Declarou um primo de segundo grau do cantor, Robério Belchior.


Na última aparição em vídeo do Belchior datada de março desse ano ele aparece cantando em um show do fabuloso Tom Zé em Brasília. Que cena mágica.


Vamos pensar; você sai de casa feliz para ver o Tom Zé, quando de repente quase no fim do show escuta ele pedir para o Belchior subir no palco. Os olhos bem treinados do Tom avistam o inconfundível Belchior perdido na plateia. Com seu charmoso bigode, bastante cabeludo, e um pouco tímido ele sobe no palco. Abre a boca e eis ai Belk’s. Tom Zé desce para contemplar a cena junto da plateia.


Os músicos não acompanham. Seu vozeirão paira sozinho no ar.


Os versos da canção Ah!Sweet mistery of life escolhida por Belchior parece ser a trilha sonora desse momento da sua vida.


Minha vida que parece muito calma
Tem segredos que eu não posso revelar
Escondidos bem no fundo de minh'alma
...
...
A ninguém revelarei o meu segredo

E nem direi quem é o meu amor


Tudo bem Belchior não precisa revelar. Você é apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, e indo pra qualquer interior.


O público pede mais uma, mais uma. Belk's é bondoso é solta um trechinho de "A palo seco"

e parece que naquela noite ele decidiu se explicar com as músicas (Se você vier me perguntar por onde andei, no tempo em que você sonhava / De olhos abertos, lhe direi: amigo, eu me desesperava...).


Belchior não sumiu, ele está por aí. Se descobrindo, vivendo livremente. A vida cigana que tanto cantou hoje é apenas uma consequência da eterna procura de si mesmo. Ele anunciou : Por algum tempo eu vou ter que viver por aqui, longe de você,Longe do seu carinho...


Então se por acaso encontrar o Belchior em alguma esquina diga a ele que ele tem meu coração para seu abrigo.



Por Juliana Albuquerque

sábado, 22 de agosto de 2009

PERRO LOCO 3!!!

Por Juliana Albuquerque

P3rro Loco - Festival de Cinema Universitário Latino-Americano
“As alegorias e o caminho tortuoso da América Latina”
De 25 a 30 de agosto



Cinema é a palavra de ordem dessa semana no Campus II da Universidade Federal de Goiás. Começa no dia 25 de agosto a terceira edição do Festival Perro Loco, uma viagem cinematográfica e cultural por toda América Latina. O filme “Memórias do Subdesenvolvimento”, dirigido por Tómas Gutiérrez Alea (Cuba, Documentário, 97 min, 1968) será o primeiro a ser exibido, às 15 horas, no CINE UFG.

Esse ano o festival tem como tema “Alegorias”, que se associa aos anteriores, “Identidade Cultural” (2007) e “Fronteiras” (2008). É por meio das mostras, oficinas, minicursos, palestras, debates entre outras formas de expressão cultural que a estética alegórica será objeto de observação e discussão.

É importante ressaltar que o festival trata-se de uma iniciativa de estudantes da Universidade Federal de Goiás. Que usam o cinema como ferramenta de transformação, intercâmbio cultural e acima de tudo uma vitrine libertária para a produção universitária da América Latina.

O chamado é um só:
“Como já é tradição, o Perro Loco convoca todos os amantes de cinema que querem gritar o amor pela América Latina, e que precisam, de alguma forma, mostrar o quanto nosso continente é grandioso. A tela do cinema é a janela do mundo e também queremos ver a América Latina em cartaz. Participe conosco dessa sessão mágica”.

Confira a programação completa do Perro Loco 3, no site:
http://www.perroloco.com.br/

Obs.: O site do festival irá trazer uma cobertura completa e instantânea de toda a programação. Com entrevistas, fotos e muito mais. Acompanhe.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Na fumaça do meu cigarro


Sentada no sofá ela olha para os livros em cima da mesa, mas seu olhar se perde como duas rolhas de champanhe prontas para estourar.


Se ela pudesse trocar a realidade pela ficção, talvez fosse qualquer personagem desiludida de um romance envelhecido.


Ele sai do banheiro, enxuga as mãos na calça. Sua camisa xadrez tem cheiro de batom antigo e parece combinar com a barba mal-feita e o sorriso malandro no canto da boca. Ele para e senta na frente dela.


Sem tempo para disfarçar um riso, a única coisa que saiu foi uma tremida de lábios instantaneamente desanimada.


-Tem quanto tempo que você está aqui nesse apartamento?


Ele pergunta primeiro pra sua mente e torce por alguma resposta, depois de um tempo percebe que não havia perguntado e repete.


-Você mora aqui há quanto tempo?


-Poucos meses, acho que seis.


Um pequeno silêncio. Na parede ao lado, um cartaz do filme Bonequinha de Luxo.


-Então você gosta desse filme?


-Não, não que eu não goste. É só porque adoro Capote.


-Hum. (e ele solta um pequeno riso)


“Ele não conhece Capote. O que está fazendo aqui?”


Homens espertos às vezes conseguem responder pensamentos.


-Eu já li um livro dele, muito bom. Preciso ler mais.


Que alívio ela sentiu.


Depois disso é de conhecimento público que se pode subir um degrau.


Ele muda de lugar, e se senta ao lado dela.


-Por que ele foi embora? (e se lembra que a escova de dente ainda está lá)


Ela olha para o lado e vem a lembrança.


A cama desfeita. Ela lia, e o outro fumava ouvindo música no fone.


O outro apaga o cigarro, cinzas da semana inteira dançam no ar.


-Eu vou comprar um guarda-roupa. Você não abre espaço no seu pra mim.


Ela fecha o livro e olha para o outro.


Agora ao contar para ele, ela enxergava.


-Foi assim que acabou. Um guarda-roupa.


-Eu não preciso de um.


Ela ri e acende um cigarro.


-Agora eu fumo. (ela não sabia mais fumava porque na fumaça do seu cigarro via a imagem dele, desfocada mais via)


Só eu sei porque tudo acabou. Ela lia “A Sangue Frio” e o outro ouvia “Trocando em Miúdos”. Não poderia haver prenúncio pior do fim da paixão do que um livro desses e essa música.


Obs.: Já que estive pensando no Capote, vai uma foto dele com a gracinha da Marilyn Monroe.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Incompreensão


Como se fosse possível criar espasmos infinitos entre a escolha de se apaixonar ou de não se apaixonar. Esse parece ser o triste infortúnio de um sentimento esquecido, ou simplesmente ignorado.
Fui ao cinema na noite passada, e minha derrocada a sensibilidade só ganhou voz dentro da sala escura e fria. Para compreender meu tormento seria necessário dissecar meu cérebro, antes ele do que meu coração. Que o saudosismo de um bom filme me ensinou, afinal “Já viu um coração humano? É como um punho fechado envolto em sangue.”, por isso prefiro o cérebro, a massa cinzenta é estranha por natureza, sem forma humana que desprenda compaixão.
Toda essa reviravolta no pequeno enredo seria para ilustrar algo que já perdi de vista. A importância da minha conversa é única. Desabafar sobre o fato de amar em ignorância, e sofrer sem perceber.
O sofrimento deve ser notado, deve ser causa única de choro, falta de apetite, músicas melosas, livros sem nexo, e filmes que destilam mel e resultam em mais choro, mais falta de apetite e assim por diante.
Compreender o amor seria como andar de trás para frente em uma montanha russa. Ou seja, pode causar vômitos.
O certo é nos sentarmos no carrinho e o deixar entrar no trem- fantasma, sempre com algumas reservas e medos, mais prontos para as descobertas. No caminho alguns gritos, no entanto muitos risos.
Não é possível deixar de se apaixonar, assim como não somos obrigados a permanecer apaixonados. Tudo depende do sim em se deixar levar, e do não na hora de partir. Aquele medo de perdermos as coisas pelo caminho, só existe pelo ciúme de que outras pessoas as recolham, mais isso não dói tão profundamente como pensamos. Deixar coisas para trás é a maior prova de liberdade. Afinal na maior parte das vezes nem precisamos mais delas.
Obs.: John Lennon e Yoko Ono , na foto. Uma das minhas favoritas do casal.

terça-feira, 14 de julho de 2009

‘O que seria da vida sem o condimento da loucura?’ O Édipo de Hugo Rodas.







‘Num repente tudo muda, se a sorte estava do seu lado agora está na contramão’, a canção cantada por Jocasta no fim da peça demonstra a conturbada relação entre algoz e vítima, até que ponto somos jogadores da vida, ou joguetes do destino?

A inteligência dessa livre adaptação também pode ser explicada pelo enxerto de diferentes trechos de autores como Platão, Shakespeare, Calderón de La Barca, Erasmo de Roterdam, Nietzsche e outros; a tragédia grega de Sófocles ‘Édipo, Rei’. A responsável pelo roteiro é Adriana Veloso, que nos palcos se torna a rainha Jocasta. Com 26 anos de carreira, o talento e o domínio de palco de Adriana chamam a atenção durante a peça. Assim como a atuação do paulista que há oito anos vive em Goiânia, o ator Tiago Benetti.

Édipo traz o peso inquestionável de um clássico do teatro, a saga do jovem que mata o pai e fica com a própria mãe até o momento que descobre tudo e fura os próprios olhos para não ver a loucura que cometeu, essa tragédia serviu de objeto de estudo para Freud construir sua famosa teoria do ‘Complexo de Édipo’.

A proposta parece ser somente uma, sacudir a platéia, e isso é feito em diversos momentos e principalmente quando os atores dialogam com ela, provocações são lançadas e questões intimidadoras conduzem a uma tensão tanto quanto a um ar cômico. Um cenário em vermelho surge de um breu completo e reafirma as tensões juntamente com a trilha sonora.

Numa sinestesia completa de sentimentos, a paixão parece só perder espaço quando a loucura fala mais alto.

Um recurso que vem sendo utilizado pelo teatro, ganha vez na peça, o tecido acrobático carrega o contemporâneo para a cena, a ilusão de que Édipo flutuava, assim como a possibilidade de marcações fortes deram o tom a peça.No fundo do palco uma cama com água incendeia por fora e dá vazão ao amor que parece queimar internamente as personagens .
A peça apresenta questionamentos pertinentes aos dias de hoje, ao tratar de crenças e verdades absolutas,e reconta com beleza uma trágica história. Contextualizar com a atualidade parece ser função da platéia que ao sair do teatro tem carga suficiente para isso.

Quem leva glória pela direção da peça que inaugura a Cia.Benedita de Teatro, é ninguém menos que Hugo Rodas, diretor, ator e professor nascido no Uruguai e que há 30 anos mora no Brasil. Aclamado como um dos mais talentosos e importantes diretores do seu tempo, Hugo utilizou de sua criatividade para marcações inusitadas e altamente teatrais. Esses são 55 minutos que merecem ser degustados.
Juliana Albuquerque

Crédito de fotos: Carolina Soares


Ficha técnica
Roteiro: Adriana Veloso
Direção: Hugo Rodas
Elenco: Adriana Veloso
Tiago Benetti
Coreografia em tecido: Tete Caetano
Figurino: Hugo Rodas
Iluminação: Hugo Rodas

sexta-feira, 10 de julho de 2009

'Nascida para o céu'















‘Nascida para o céu’ é esse o título do curta-metragem da roteirista e diretora Rogelia Pinheiro. Um enredo forte e sensível, duas personagens representam a realidade brasileira. João das Dores e Zefa, um humilde casal, e as típicas dificuldades da pobreza. Desempregados e sem perspectivas de futuro, esse não seria o momento ideal para uma gravidez. Mas Zefa está pronta para dar a luz aos cuidados de uma parteira da região. E em meio a gritos e preces tudo acontece.
No quarto, gemidos e dor. Na sala uma velha poltrona e nela um homem carregado de preocupações.

A construção da personagem:
O teste para esse curta caiu um tanto que por acaso na minha vida, acaso pois em uma conversa trivial com um amigo ator, ele comentou que iria participar de um teste, e eu logo animei perguntando se haveria alguma personagem com o meu perfil. Peguei o telefone da diretora e liguei para ela. Rogelia, disse de imediato que precisava de uma atriz mais velha, e com um perfil um pouco diferente do que ela viu nas minhas fotos, mas eu fiquei atrás, e logo ela disse que eu poderia fazer o teste. Meu nervosismo em testes até hoje não foi vencido, mas como a cena era de um parto isso com certeza me ajudou, no final acabei sendo escolhida.


Fiquei dois dias assistindo cenas de partos em links de novela, filmes e até mesmo partos reais. Minha intenção era captar a sensação de dor no rosto das parideiras, a intensidade dos gritos eu só conseguiria achar na hora das gravações. A cena de parto é algo extremamente interessante e somente depois de ter que fazer uma, eu captei a intensidade que ela requer.


Um set de gravação é mágico, a transformação de elementos comuns em cênicos, é algo que chama minha atenção. Uma equipe inteira se movimentando para construir um faz de contas. E, diga-se de passagem, profissionais qualificados e competentes, do maquiador a diretora, o sentimento era de ajuda mútua. Quando se chega ao fim de um trabalho como esse, apenas é possível torcer para que venham outros e que o resultado seja o melhor possível.

Crédito de foto: Rogério Neves


Obs.: depois posto a ficha técnica completa.


Juliana Albuquerque

segunda-feira, 6 de julho de 2009

'Ser ou não ser, essa é a questão' disse um Hamlet brasileiro


O poder que esse texto exerce sobre uma platéia não é segredo desde 1600. Hamlet é a mais longa peça de Shakespeare e o que poderia assustar os leitores, se torna o elemento de conquista, a densidade do texto é dominadora. Seria impossível contabilizar quantas vezes Hamlet foi encenado e cair na obviedade de uma peça tão famosa é um risco.


Risco que o diretor Aderbal Freire Filho não cometeu, a montagem traz uma tradução fiel ao texto original, mas não esbarra no coloquialismo nem no erudito, caminha por uma linguagem clara e compreensiva.


A atmosfera cênica remete a um ensaio de teatro. A iluminação ampara essa intenção, toda parafernália está ali, bem a mostra. Assim como os atores que participam do jogo como elemento teatral. Hamlet/Wagner Moura parece tocar no exagero em alguns momentos, mais a proposta é visível e dá o tom a personagem. Gestos largos e enfáticos casam com a respiração que parece querer passar toda a inquietude da alma de Hamlet.

Percebe-se a liberdade dos atores em ação, eles circulam pelo palco, são contra-regras, atores em exercício, carregam um ou mais personagens, em alguns momentos ao se sentarem nas escadas laterais (composição cenográfica) se tornam platéia. Caio Junqueira/Horácio atua com propriedade e cresce tanto no decorrer da peça que na cena final, ao tomar Hamlet em seus braços é possível desejar uma continuidade protagonizada por Horácio. Tonico Pereira, o tio traidor, somente confirma sua autoridade cênica e nos mostra que o palco merece ser sua morada constante. O humor dramático ganhou peso nas cenas de Claudio Mendes, o manejo que ele faz é peculiar e preciso.


Um time forte de atores, que parece ter acertado mais do que cometido erros. Carla Ribas, Georgiana Góes, Fábio Lago, Marcelo Flores e Felipe Khoury, imprimem suas atuações na casa da normalidade e isso não afeta a peça, estimula.


O contemporâneo contribui na montagem do clássico, os figurinos de Marcelo Pies em tons neutros caracterizam a proposta, e a idéia do uso dos casacos parece colaborar com a investida do ator para encarnar a personagem, além de demonstrar o estabelecido pelo avesso. A filmagem feita ao vivo e reproduzida no telão ao fundo do palco aguça o público, a câmera é ligada para demonstrar a dramaticidade, e esses momentos a olhos nus parecem tão oportunos.

No enredo onde a loucura real e a loucura fingida traçam um paralelo, a loucura artística foi quem saiu com o maior ganho.


Juliana Albuquerque